O meu Moleskine nipónico

Pequeno, prático, sóbrio, com folhas que chamam a tinta azul muito escura da caneta que desliza algumas das histórias que não imaginava que poderia vir a contar... De Tóquio A ansiedade dos primeiros dias de incerteza de uma nota que teimava em não sair, depois, o encontro com o Rodrigo e a Vera, o cruzamento de Lost in Translation, o atum gigante no mercado do peixe, os assentos das sanitas aquecidas e os assustadores autocolismos automáticos, o pic-nic nos jardins do Palácio Imperial, as experiências falhadas no Edifício da Sony, as góticas de Shibuya e a excentricidade de Takeshita Dori, o passeio por Asakusa apresentado pela Chizu Kurita, a iluminação frenética das ruas, os Bentos e a descoberta da Andersen, a noite de karaoke, com direito a pandeireta, a simpatia dos japoneses, a sua educação e disponibilidade... De Nikko Os templos, os templos, os templos, o incenso, o incenso, o incenso, as paisagens... O Budismo no seu auge, o chá verde ao final da tarde com a Rachelle, o jantar da Mikki, pernas cruzadas, faca e garfo esquecidos, pés descalços, sempre... De Hakone O Onsen ao ar livre, os passeios pelo verde gritante da montanha, o quase Monte Fuji, as esculturas no Museu ao ar livre, as conversas poliglotas com o Filipe, os relatos de viagens da Yuri, as dobragens em papel de arroz, o barulho insurdecedor do riacho, a descoberta do jazz de UA Nephews, os dois médicos alemães... De Takayama O Barbeiro-Coleccionador, a cidade velha, os vendedores nos Mercados madrugadores espalhados pela cidade, as melhores maças vermelhas, a senhora do Restaurante Orgânico, os arrozais, a deliciosa Sansai Soba, o quimono ocidentalizado, o pequeno-almoço com iguarias janopesas, a ausência do sempre tão esperado momento All-Bran... De Himeji O Castelo, claro, mas, sobretudo, a história de vida do Joey, a cumplicidade das viagens de comboio ultra-sónico... De Hiroxima A surpresa de encotrar a vida de uma cidade destruída pela guerra, a conversa na ponte com o sobrevivente da bomba e as suas aguarelas, o jogo de baseball, o museu aterrador, os dois irmãos junto ao rio, os passeios entre a agitação do Hondori e o rio, o reencontro com a Andersen, o bar com Maria Rita, o orgulho na língua portuguesa, o restaurante italiano, a almofada horrível da guesthouse, os jogos nas máquinas de Pachinko...

De Quioto

A beleza estonteante da estação de comboios, os templos, muitos, o castelo, o Pavilhão Dourado e o Pavilhão Prateado, o Passeio do Filósofo, o estudante de artes, os jardins Zen, as portas que serpenteiam a montanha no templo de Fushimi Inari-Taisha, as cervejas nos aposentos dos rapazes, as fotografias da Yuri sobre o chão de bambu, as gueixas de Gion, a noite da cidade, as luzes, a cerimónia de chá, a happy hour de cocktails e aperitivos, os bares, os cafés, os restaurantes, o último jantar, o meu presente, as gargalhadas da Catherine, o charme do Steven, o desejo de ficar...

De Tóquio para Lisboa...

O regresso a Tóquio, o aeroporto de Narita, o Holiday Inn, a cama - que saudades! - faca e garfo - estranhei-os! - 12 horas de voo, 5 de espera em Amesterdão, livros, CDs, livros, CDs, o atraso do avião para a Santa Terrinha, 3 horas mais de voo, a aterragem na Portela, a saudade da incompreensão desafiante da língua, dos olhos rasgados, das vénias abnegadas, dos silêncios, o jet-lag, as fotografias...

A letra foi ficando cada vez mais apertada à medida que via as páginas a escassear e tantas histórias por contar: o Moleskine foi manifestamente insuficiente e conta apenas uma parte do que vivi - mas não serão todos os cadernos de notas insuficientes para contar as histórias e estórias de uma pequena grande viagem gravada em nós?