Foi preciso uma simples viagem a um país que nunca visitaria por iniciativa popria, de férias. Ou que, pelo menos, nunca seria prioridade. Uma visita curta a uma cidade pequena de província. Uma viagem de trabalho. Bastou isto para me fazer pensar nos pequenos nadas de vidas grandes, nos previlégios, nas experiências inesperadas. Já tinha acontecido há uns meses, em Washington - uma cidade que me disse muito mais, que adorei e que devorei de sol a sol -, que visitei com o meu pretexo.
Convidaram-me para fazer uma visita, falar sobre umas coisas de que percebo, apresentar umas cenas, dar uma palestra e ajudar num projecto. Tudo muito bem. Venho com todo o gosto, que ainda näo foi desta que me fartei de aviöes e uma cidade nova é sempre uma cidade nova: sou o verbo ir, como diria qualquer bom morador de Moscavide. E acabo por ser eu a, de repente, ganhar muito mais.
No aeroporto tinha um private taxi à minha espera para uma viagem de hora e qualquer coisa. Sucede que o motorista, good looking guy dos seus 50 anos, tinha uma história de vida (que eu fiz questäo de espremer) engracada. Melhor: comecou por ser engracada; acabou a ser fascinante. 20 anos de idade e estava ele na faculdade de medicina, aqui mesmo em Montreal, quando lhe passou pela cabeca que isto näo era vida para ele. Näo já, pelo menos. Vai de enfrentar a família e informar que ia passar uns meses no México. Learn the language e tal. Voltou 16 anos depois, e nos entretantos passou (viveu) por 100 países, casou, ensinou, aprendeu, cresceu, comeu, deu, recebeu - viveu. Good looking guy e provavelmente a pessoa que mais me impressionou nos últimos tempos. Falou dos livros que lê, que leu, onde leu. Falou-me da família, da vida por aqui, da filha de 16 anos, autista. E de como (também) achou fabuloso o the curious incident of the dog in the night time (Obrigada amigas Dinas). Falou e falou e falou - e eu marvilhada.
E, mesmo depois do trabalho do dia seguinte, do almoco onde tentei saber tudo o que podia sobre o Canadá, das reuniöes onde me fartei de ciência, bactérias e números, voltei a sentir-me previligiada ao jantar. Nos entretantos (intervalos, finais de dia) ainda deixei crescer as saudades e senti a vontade-de-casa a espalhar-se no sangue, na pele - a querer explodir e fazer-me voar para casa o mais rápido (im)possível. Mas depois voltou a calma, a paz e a experiência. Um jantar com um francês-muito-francês, um copo de vinho e a melhor tarte tatin de sempre (dos meus dias). Conversas de países e culturas e planos e passados. Mais uma vida que me fez esquecer a minha - ou pensar a minha.
Acho que näo me farto. Estou com vontade de casa, e Europa e de amigos, mas näo me farto. Destes pequenos tudos - que vêm de outras vidas, täo diferentes mas täo vidas, e que enchem a minha.
Näo me farto mas agora vou ver se compro - finalmente - o voo do Veräo, que já estou a prever os meus amigos emigrantes todos e metade da populacäo reformada dinamarquesa a encher os voos da tap e deixar-me sem alternativas para ir viver o meu Veräo. Näo me farto, mas quase farto. Ou às vezes farto.